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# 51. 🔓 A nova guerra dos atestados médicos
Olá pessoal,
Em Setembro desse ano, o CFM (Conselho Federal de Medicina) lançou uma nova plataforma própria:
Um sistema de emissão, validação e verificação de um dos documentos médicos mais relevantes ⎯ o atestado médico.
Depois do case de sucesso da plataforma de prescrição online, criada em Abril/2020, o CFM tem começando a atuar mais de forma digital.
O objetivo é nobre: Combater as fraudes e milhões de atestados falsos emitidos anualmente no Brasil, com uma plataforma chamada ATESTA CFM.
Mas esse novo lançamento tem passado por diversas críticas.
Tempo de leitura : 5 minutos
💬 Em pauta
Contexto sobre o CFM:
O Conselho Federal de Medicina foi criado em 1951.
Na época, o presidente JK conferiu natureza autárquica federal ao conjunto CFM/CRMs, proporcionando autonomia técnica, funcional e administrativa aos médicos brasileiros.
Em outras palavras, os médicos podem regulamentar, fiscalizar e disciplinar a sua própria profissão.
Isso é importante para entender o centro da discussão da nova plataforma de atestados.
A plataforma "Atesta CFM” tem um bom racional, que ajudaria médicos, pacientes e empresas. No papel, faz bastante sentido.
Funciona dessa forma:
1) O médico faz um cadastro, autentica sua assinatura digital, emite o atestado e gerencia documentos físicos e digitais.
2) O paciente (colaborador) tem acesso a todos os seus atestados emitidos, que podem ser consultados por meio de busca.
3) A empresa pode ter acesso direto ao atestado caso o paciente aceite o envio, que vai direto do médico para o RH.
Ela tem o potencial de beneficiar diferentes stakeholders, assim como foi com a plataforma de prescrição digital, em parceria com o Conselho Federal de Farmácia.
Mas tem um pequeno porém nas letras miúdas…
“Após 180 dias da publicação, todos os atestados médicos deverão ser emitidos ou validados pela ferramenta criada pelo Conselho Federal de Medicina.” — Resolução CFM nº 2.382/24.
Isso tornou a plataforma de uso obrigatório para todos os 575.000 médicos atuando no Brasil hoje.
(Dica de quem trabalha com tecnologia em saúde há 10 anos: Vai com calma rs)
Isso é bem diferente do sistema de receitas, que teve sua adoção crescendo ano a ano, com bons feedbacks dos médicos, em que seu uso é opcional.
Isso gerou um efeito negativo em parte da comunidade médica que possui pouco ou nenhum acesso à internet nos centros de saúde, além de uma liminar da Justiça Federal, por meio da terceira vara regional do Distrito Federal, suspendendo a plataforma.
A ação foi movida pelo Grupo Movimento Inovação Digital (MID).
Diferentes órgãos públicos tem alegado que: obrigar que médicos, pacientes e instituições validem atestados por meio de uma única via — como a Atesta CFM — seria uma forma de monopólio.
A resposta do CFM foi que eles liberaram APIs para qualquer plataforma se conectar com eles 🤔.
Eu acredito que o buraco é mais embaixo.
Hoje temos 2 problemas que impactam o uso da plataforma:
1) Acesso à internet
Ainda existe um número considerável de centros de saúde, principalmente fora de grandes centros, que não tem acesso a internet ou computador, em que os profissionais fazem tudo à mão, com papel e caneta. Como os médicos fariam essa emissão na plataforma?
Essa lacuna ficou ainda mais clara depois do lançamento do projeto nacional de digitalização da Secretaria de saúde digital (Ministério da saúde), com expectativa (brazilian time) de acabar em 2028. 👀
Ou seja, como você lança uma plataforma digital obrigatória nesse cenário? No mínimo complexo.
PS: O CFM respondeu que os médicos também podem fazer upload da foto do atestado físico, mas isso gera uma etapa operacional extra no atendimento (e o problema da conexão continuaria existindo).
2) Atestados falsos
O volume de atestados falsos rodando no Brasil é estimado em 30% dos documentos.
Segundo dados da Fecomercio, cerca de 1/3 dos atestados emitidos no Brasil são falsos e podem ser comprados na internet por R$ 50,00 com certa facilidade. 😭 (triste realidade, mas real).
De acordo com uma pesquisa do Fórum das Entidades e Federações (FEF), no Espírito Santo são emitidos cerca de 360.000 atestados falsos por ano, com prejuízo de R$ 20 milhões para as empresas locais. O impacto nas empresas brasileiras deve ser na casa dos bilhões!
O Presidente do CFM - Jose Hiran da Silva Gallo - tenta tranquilizar os médicos nesse vídeo, mas a situação ainda corre na justiça. (link)
E já disponibilizou a sua defesa no site 👇️
“A Autarquia reafirma que, no processo de desenvolvimento do Atesta CFM, atuou com base em sua competência legal e total respeito aos princípios que regem a administração pública e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Além disso, por permitir integração a outras plataformas já usadas por médicos, não representa qualquer tentativa de monopólio.”
Nas redes sociais, alguns médicos criticam a obrigatoriedade de preencher todos os atestados na plataforma 😬. Será que estamos preparados para a digitalização obrigatória? Principalmente no SUS.
O que você acha da nova plataforma de atestados do CFM?
Pode responder nesse e-mail que vai direto na minha caixa de entrada : )
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Via Readwise
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Thiago Liguori
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