Mercado "D2C"cresce na saúde

Olá pessoal,

A saúde D2C (direct-to-consumer) está invertendo a lógica de cuidado.

Normalmente uma pessoa: i. procura um médico, ii. passa em consulta, iii. recebe prescrição, iv. vai na farmácia, v. compra medicamento.

Mas o aumento da informação dos pacientes, principalmente com o “Dr. chatGPT”, está potencializando uma frente de atuação que reune triagem, diagnóstico, tratamento, delivery de medicamentos e monitoramento na mesma plataforma.

Fui impactado várias vezes na última semana por anúncios da Voy Saúde, com jornada D2C para emagrecimento e decidi aprofundar melhor no assunto.

Boa leitura! : )

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💬 Em pauta

Uma das maiores inspirações desse movimento é, sem dúvida, a gigante Amazon. Após a compra da One Medical, a empresa tem conseguido empacotar melhor a sua proposta de valor, apostando na jornada de saúde digital de ponta-a-ponta.

Chamada de “Amazon clinic”, o paciente paga uma assinatura (10-20 dólares por mês) e passa por trilhas de cuidado focadas em condições de saúde específicas, geralmente nessa sequência:

  • Escolher a doença (claro que ainda na fase de suspeita, já que ainda será necessário passar com o médico em teleconsulta)

  • Faz um questionário de triagem (que é enviado ao médico)

  • Passa em teleconsulta (que pode ser por vídeo ou texto, síncrona ou assíncrona)

  • Recebe uma prescrição, conectada com a mecânica de envio em domicílio.

  • Após o início do tratamento, continua fazendo monitoramento.

Outro cases globais são a Hims & Hers (capital aberto, avaliada em U$ 14bi) e Ro.

Esse novo modelo está começando a ganhar tração no Brasil. Vou usar como case principal a Manual, empresa inglesa com filial no Brasil (a segunda no mundo diga-se de passagem, que oferece uma jornada de cuidado diferente aos pacientes, que vai desde a avaliação inicial de sintomas e diagnóstico remoto até a prescrição médica e a entrega de tratamentos personalizados em casa. (tudo sem sair da paleta verde escuro rs).

Os principais tratamentos nessa modalidade no Brasil são focados em:

  • Queda capilar

  • Emagrecimento (principalmente associados a GLP-1)

  • Saúde sexual

  • Insônia

  • Saúde mental

Além da Manual, outros exemplos são a Oya Care, Eles, Omens, Isha (grupo Omens) e Voy Saúde (Grupo Manual)

O crescimento do setor é impulsionado por uma série de fatores:

  • a aceleração da digitalização pós-pandemia

  • a maturidade do ecossistema de healthtechs do Brasil

  • e uma mudança cultural em direção ao autocuidado proativo

Essa mudança de comportamento está associada ao preenchimento de lacunas no sistema de saúde tradicional, oferecendo acesso conveniente, discreto (lembre-se desse ponto!) e eficiente a cuidados especializados, muitas vezes em áreas estigmatizadas como saúde sexual masculina e queda de cabelo, que servem como porta de entrada para uma expansão mais ampla.

Este mercado não existiria sem os avanços da resolução CFM nº 2.314/2022, que regulamentou a telemedicina de forma permanente, além do aceite pela ANVISA de prescrições com assinatura digital (padrão ICP-Brasil), que criaram a segurança jurídica necessária para atrair investimentos e permitir a operação de ponta a ponta.

Este formato, no entanto, também impõe desafios, principalmente em relação à ausência de exame físico em algumas trilhas de cuidado, ou seja, o paciente entra em um programa de saúde sem realizar um exame físico em qualquer ponto da jornada.

Claro que para condições de saúde mental, isso poderia ser secundário, mas pense em um caso de queda de cabelo, em que diversas causas são possíveis. Hoje na Manual esse processo é totalmente assíncrono, contando apenas com envio de fotos pelo paciente.

Todas estas empresas operam de forma asset-light, apoiando-se em uma rede de farmácias de manipulação parceiras para a produção e o envio dos medicamentos.

Este ecossistema vai muito além do simples e-commerce de produtos de saúde, como farmácias online tradicionais, ou de plataformas isoladas de teleconsulta. A sua base conta com a integração de quatro etapas de cuidado:

  1. Diagnóstico digital inicial: A jornada começa no site ou aplicativo da plataforma, onde o usuário seleciona uma condição de saúde e preenche um questionário detalhado e dinâmico. Este processo de intake digital coleta informações sobre sintomas, histórico de saúde e estilo de vida.

  2. Teleconsulta: Com base nas informações fornecidas, um médico realiza uma avaliação clínica. Esta consulta pode ser síncrona (por vídeo ou chamada de voz) ou assíncrona, em que o médico analisa as respostas do questionário e se comunica com o paciente por texto.

  3. Prescrição e personalização: Se o tratamento for considerado apropriado, o médico emite uma prescrição digital com validade legal. Em muitos casos, especialmente para condições dermatológicas ou capilares, a prescrição é para uma fórmula manipulada, personalizada para as necessidades específicas do paciente.

  4. Entrega e acompanhamento: A plataforma encaminha a prescrição para uma farmácia parceira, que manipula e envia o tratamento diretamente para a casa do paciente em uma embalagem discreta. O serviço não termina com a entrega; inclui acompanhamento clínico contínuo para tirar dúvidas, ajustar dosagens e monitorar o progresso.

A proposta de valor central deste modelo é multifacetada. Para o consumidor, oferece um nível sem precedentes de conveniência, eliminando a necessidade de deslocamentos e longas esperas em consultórios. Garante discrição, um fator relevante para o tratamento de condições consideradas tabu ou constrangedoras, como disfunção erétil ou queda de cabelo. Além disso, democratiza o acesso a médicos especialistas, que muitas vezes se concentram em grandes centros urbanos, e promove uma abordagem proativa e contínua à saúde, em vez de um cuidado reativo e episódico.

Eu comecei a ver um padrão estratégico claro na entrada destes players no mercado, que pode ser descrito como a estratégia "do tabu ao mainstream".

Empresas como a Manual e a Omens não tentaram competir de frente com hospitais em áreas como cardiologia ou ortopedia. Em vez disso, eles focaram inicialmente em nichos de mercado caracterizados por um alto grau de estigma e constrangimento, como a disfunção erétil e a queda de cabelo.

Para estas condições, a discrição e a privacidade do modelo 100% digital não são apenas um benefício, mas a principal proposta de valor. Ao resolver este problema de alta fricção e alto estigma primeiro, estas empresas constroem uma base de usuários leais, validam seu modelo operacional e, estabelecem uma marca de confiança.

Uma vez que essa confiança é conquistada, elas podem usar a mesma infraestrutura e o reconhecimento da marca para se expandir para verticais de saúde mais amplas e convencionais, como controle de peso, dermatologia ou bem-estar geral.

A recente expansão da Omens para a saúde feminina com a marca "Isha" é a demonstração perfeita desta estratégia de "aterrissar e expandir" em ação.

É um manual de como construir um negócio de saúde digital: entrar por um nicho sensível, construir confiança e infraestrutura, e depois ampliar o escopo.

Todos parecem estar com a infra pronta para atacar o maior “filé do mercado”, a área de emagrecimento com GLP-1.

Caso de referência: Manual - O player inglês que ajudou a validar o mercado brasileiro
  • Perfil da Empresa: Originalmente uma healthtech do Reino Unido, a Manual identificou o Brasil como um mercado de expansão prioritário, lançando suas operações no país em 2021. Esta aposta representou uma forte validação externa da oportunidade de mercado. A empresa já levantou um capital significativo, superior a £50 milhões no total, com uma parcela destinada a acelerar seu crescimento no Brasil.

  • Condições Tratadas: A Manual focou sua entrada em nichos estratégicos, primariamente condições de saúde masculina cercadas de estigma ou ligadas ao estilo de vida. Suas principais verticais são queda de Cabelo, disfunção erétil e, mais recentemente, emagrecimento, uma área em franca expansão globalmente com a popularização de medicamentos da classe GLP-1.

  • Jornada do Paciente: O fluxo do paciente na Manual é um exemplo clássico do modelo D2C assíncrono e focado no produto:

  1. Intake Digital: O processo começa no site, onde o usuário seleciona a condição que deseja tratar e preenche um questionário de saúde online detalhado.

  2. Consulta Assíncrona: As respostas do questionário são enviadas a um médico licenciado, que realiza uma avaliação clínica de forma remota e assíncrona, ou seja, sem a necessidade de uma interação em tempo real.

  3. Prescrição e Manipulação: Se o tratamento for aprovado, o médico emite uma prescrição digital. A Manual não é uma farmácia; ela envia a receita para uma de suas farmácias de manipulação parceiras, que são autorizadas pela ANVISA, para preparar as fórmulas.

  4. Entrega e Suporte: O kit de tratamento completo é entregue discretamente na casa do usuário. Um diferencial importante é o suporte clínico ilimitado oferecido após a entrega, permitindo que os pacientes tirem dúvidas sobre o tratamento, relatem efeitos colaterais e recebam orientação contínua por meio de canais digitais.

  • Modelo de Negócio: O modelo da Manual é baseado em assinatura. Os usuários se inscrevem para receber seus kits de tratamento de forma recorrente (geralmente mensal ou trimestral). Os planos são flexíveis, permitindo o cancelamento a qualquer momento. Este modelo de negócio é altamente atrativo, pois gera receita previsível e recorrente, aumentando o
    lifetime value (LTV) do cliente.

  • Diferenciais Estratégicos: O sucesso da Manual pode ser atribuído a uma forte execução em várias frentes. A empresa investe bastante em uma marca forte e uma experiência de usuário (UX) fluida e intuitiva. Além disso, busca construir uma comunidade em torno da saúde masculina, utilizando conteúdo e fóruns para desmistificar tabus.

Caso de Estudo: Omens - A Plataforma de Bem-Estar Integrado
  • Perfil da Empresa: Fundada no Brasil em 2020 por empreendedores franceses, a Omens foi inspirada em modelos D2C de sucesso na Europa e nos EUA, com o objetivo de se tornar a referência em saúde masculina no país. Em 2022, a startup levantou uma rodada de investimento seed de R$ 10 milhões para escalar suas operações.

  • Condições Tratadas: A Omens iniciou suas operações com um foco claro em saúde sexual masculina, tratando condições como disfunção erétil, ejaculação precoce e baixa libido. Seguindo uma estratégia de expansão, diversificou seu portfólio para incluir cuidados com a pele e cabelo e planeja entrar em dermatologia e nutrição. Em um movimento estratégico notável, a empresa lançou recentemente a "Isha", uma marca separada dedicada à saúde feminina, começando com um programa de emagrecimento.

  • Jornada do Paciente: A jornada na Omens também começa com um questionário online, mas oferece mais flexibilidade na modalidade da consulta. O paciente pode escolher ser atendido por chamada de vídeo, ligação telefônica ou troca de mensagens de texto. Esse modelo híbrido, que combina elementos síncronos e assíncronos, pode atrair uma base de usuários mais ampla, com diferentes níveis de conforto com a tecnologia.

  • Modelo de Negócio: A Omens possui um modelo de monetização mais diversificado. Ela lucra com as taxas de teleconsulta, com a intermediação na venda de medicamentos (que são fornecidos por farmácias parceiras) e com a venda de produtos digitais, como cursos online sobre sexualidade e bem-estar. Sua nova marca, Isha, adota um modelo de assinatura mensal (R$ 249/mês) que oferece um programa completo com acompanhamento de endocrinologistas, nutricionistas e psicólogos.

Diferenciais Estratégicos: O principal diferencial da Omens é sua abordagem holística e integrada. A plataforma não se limita a prescrever medicamentos; ela combina o tratamento médico com suporte psicológico e conteúdo educacional robusto (blogs, podcasts, cursos) para oferecer uma solução de bem-estar completa. Sua estratégia de "aterrissar e expandir", movendo-se de um nicho masculino para uma plataforma de saúde mais ampla, incluindo o público feminino, revela uma visão de longo prazo para se tornar um ecossistema de saúde digital.

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Thiago Liguori

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