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O SUS deveria criar "clínicas de longevidade"

Olá pessoal,

As clínicas de longevidade estão ganhando cada vez mais visibilidade (e adeptos).

Essa semana me peguei pensando sobre a base do cuidado proposta por elas.

Se você analisar a fundo, são conduzidos principalmente avaliações de saúde e intervenções personalizadas, que tem como base ajustes no estilo de vida, check-up completo (às vezes até demais rs), uso de alguns suplementos (comprovados e não comprovados), ultrapersonalização e intervenções médicas.

Para atender às necessidades de saúde de diferentes indivíduos, ou seja, a base de orientações são BEM parecidas com as da atenção primária.

É a mesma literatura no fim do dia.

Mas por que elas conseguem fazer milionários ficarem super engajados e pagarem centenas de milhares de dólares por ano?

Será que não conseguimos pegar os mesmos princípios e aplicar na atenção primária?

Será que o SUS não deveria substituir o “branding” das UBSs (Unidades básicas de saúde) por “clínicas de longevidade”?

Tempo de leitura : 5 minutos

💬 Em pauta

A maior dificuldade da prevenção em saúde no Brasil e no mundo é a participação ativa e recorrente dos pacientes no cuidado em saúde.

Hoje no SUS, as UBSs enfrentam desafios crônicos de engajamento. Dados da empresa Amor Saúde indicam que apenas cerca de 30% da população adulta realiza check-ups preventivos anuais, e a adesão a programas de atividade física ou controle nutricional é baixa, especialmente em comunidades de baixa renda.

As clínicas de longevidade e as clínicas de atenção primária compartilham fundamentos essenciais no cuidado à saúde, como a promoção de exercício físico, alimentação equilibrada, atenção à saúde mental, check-ups preventivos para doenças evitáveis e o monitoramento contínuo de condições crônicas.

Essa sobreposição sugere que uma mudança conceitual poderia (potencialmente) aumentar o engajamento de prevenção para milhões de pacientes que sequer fazem acompanhamento médico regular.

Não acredito que seriam necessárias alterações radicais na atuação diária, mas sim uma reformulação no enfoque, priorizando não apenas a prevenção de doenças, mas a extensão e a qualidade da vida.

Isso porque o nosso sistema de atenção primária já trabalha com os mesmos conceitos das clínicas de longevidade, como times multidisciplinares, foco em prevenção, monitoramento de doenças crônicas, e até a figura de um “concierge de saúde", que é o trabalho incrível feito pelos ACSs (agentes comunitários de saúde).

Imagina quanto as clínicas de longevidade cobram por uma visita domiciliar em Manhattan, NY.

Para efeito de comparação, eu consolidei o preço médio das principais clínicas nos EUA e Inglaterra. (salgado 😅 )

Eu acredito que essa abordagem poderia dobrar o engajamento da população em práticas preventivas, ao tornar o cuidado à saúde mais atrativo, proativo e aspiracional, fomentando uma adesão maior a hábitos saudáveis e consultas regulares.

Para compreender essa proposta, precisamos explorar as semelhanças entre os dois modelos.

As clínicas de atenção primária, como as UBS do SUS, concentram-se na base da pirâmide de saúde: atendimento acessível, diagnóstico precoce e gestão de riscos. Elas incentivam rotinas de atividade física para combater o sedentarismo, orientam dietas balanceadas para prevenir obesidade e diabetes, oferecem suporte psicológico para lidar com estresse e depressão, realizam exames de rotina para detectar cânceres ou hipertensão em estágios iniciais e acompanham pacientes com doenças crônicas como hipertensão ou asma, tudo isso restrito à uma população de 5.000 habitantes.

Da mesma forma, as clínicas de longevidade, populares na saúde privada de países como Estados Unidos e Inglaterra, adotam esses pilares, mas com uma narrativa voltada para o envelhecimento saudável. Elas enfatizam a "otimização da longevidade", integrando ciência da nutrição, exercícios personalizados, mindfulness e tecnologias de monitoramento para maximizar anos de vida ativa.

A diferença reside no FRAMING ("enquadramento” por falta de uma palavra melhor):

- Enquanto a atenção primária foca em "evitar o pior", a longevidade mira em "alcançar o melhor".

Fatores como estigma social, percepção de que a saúde pública é reativa (apenas para emergências) e falta de motivação contribuem para isso.

Ao reposicionar a UBS como clínicas de longevidade, o SUS poderia reverter essa tendência, dobrando o engajamento por meio de uma mudança conceitual que ressoa com aspirações humanas universais: viver mais e melhor.

Gosto muito de 2 livros que explicam em detalhes o conceito de longevidade 👇️ 

Esse rebranding elevaria o apelo psicológico. A palavra "prevenção" evoca medo de doenças, o que pode desencorajar visitas regulares, pois as pessoas tendem a evitar lembretes de vulnerabilidade.

Em contraste, "longevidade" inspira otimismo, associando-se a vitalidade, independência e realização pessoal.

Estudos em psicologia comportamental mostram que mensagens positivas aumentam a adesão a comportamentos saudáveis.

Imagine uma UBS renomeada como "Clínica de Longevidade Familiar": em vez de cartazes alertando sobre riscos de infarto, haveria painéis destacando "Como adicionar 10 anos à sua vida ativa".

Essa narrativa atrairia não só idosos, mas jovens e famílias, transformando o espaço em um hub de bem-estar proativo.

Como resultado, o engajamento em check-ups preventivos poderia aumentar.

O mais interessante é que a prática clínica permaneceria similar, facilitando a implementação sem custos exorbitantes.

As UBS já possuem equipes multidisciplinares, com médicos, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos, que são totalmente capazes de integrar os princípios de longevidade.

Por exemplo, o exercício físico, um pilar compartilhado, poderia ser expandido para programas mais personalizados, como caminhadas guiadas em grupo ou aulas de alongamento adaptadas à idade, usando espaços comunitários existentes.

Isso inclusive já acontece em alguns sistemas regionais mais maduros, como no Sul do país.

A alimentação balanceada, já promovida via cartilhas do SUS, ganharia foco em "nutrição para longevidade", incorporando dietas anti-inflamatórias baseadas em evidências de estudos como o Blue Zones, que analisam regiões de alta longevidade.

Saúde mental seria abordada não só como tratamento de transtornos, mas como treinamento de resiliência, com sessões de meditação ou terapia cognitivo-comportamental para reduzir o estresse crônico, conhecido por acelerar o envelhecimento celular.

Sei que parece ser um sonho meio distante, mas eu vejo um potencial interessante nessa mudança de abordagem.

Check-ups preventivos, outro ponto comum, seriam reestruturados como "avaliações de longevidade", incluindo métricas além das tradicionais, como testes de força muscular (foco em ficar no p90 para a idade) ou avaliações de sono, sem necessidade de equipamentos caros, já que muitos podem ser feitos com ferramentas já disponíveis.

O monitoramento de doenças crônicas evoluiria para "gestão de vitalidade", com apps de rastreamento que pacientes usam em casa, integrados ao prontuário eletrônico do SUS. Essa continuidade garante que a transição seja viável: o Programa Saúde da Família, com suas visitas domiciliares, poderia incorporar avaliações de longevidade, incentivando famílias inteiras a participarem.

Achei interessante como esse grupo chinês de Gerontologistas publicou uma proposta de alinhamento técnico e tático para implantação do conceito de longevidade em serviços de saúde 👇️ 

Essa mudança não é isenta de críticas, já que muitos poderiam argumentar que isso é mero “marketing”, sem mudanças substantivas.

No entanto, a ciência comportamental refuta: o framing (enquadramento) afeta as ações e resultados, como mostra esse estudo da NYU, que aumentou 2x a realização de mamografias em mulheres elegíveis, com mudanças na comunicação.

Eu acredito que o SUS, pioneiro em universalidade, tem a oportunidade de liderar globalmente em saúde proativa, transformando prevenção em celebração da vida longa.

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Thiago Liguori