#37. Telemedicina 3.0 - Uma nova era

Olá pessoal,

Eu falo com bastante confiança:

→ A telemedicina salvou o cuidado em saúde na pandemia.

Mas hoje:

→ O mercado total de telemedicina está diminuindo.

Nos últimos meses, algumas notícias têm chamado a atenção no mundo da telessaúde. Elas representam o momento de saturação, comoditização e falta de diferenciação dos principais atores:

  • Optum (braço de tecnologia da UHG) fecha operação de telessaúde

  • Teladoc cai 95% e CEO sai após 15 anos

  • Amwell em risco de sair da bolsa (NYSE)

*Walmart fechando clínicas de atenção primária (por mais que não seja cuidado virtual, existe uma correlação com a nova fase da telessaúde).

Será que acabou o hype da telemedicina?

Tempo de leitura : 5 minutos

💬 Em pauta

A telemedicina passou por diferentes fases desde os primeiros experimentos em Boston na década de 60.

Mas parece que agora estamos entrando em uma nova era de telessaúde.

Um dos primeiros experimentos com telemedicina em 1964, no Mass General Hospital, vinculado a Harvard medical school

Temos 3 momentos bem distintos:

Telemedicina 1.0: Provas de conceito e desenvolvimento da tecnologia

Telemedicina 2.0: Ultra hype, salvando os pacientes no meio do incêndio

→ E agora em 2024 entramos em uma nova era - Telemedicina 3.0

Vamos voltar no tempo…

Telessaúde 1.0 (1960-2019): Prova de conceito e desenvolvimento da tecnologia

Foram necessárias décadas para desenvolver a infraestrutura necessária para uma videoconferência síncrona entre dois dispositivos separados geograficamente.

Além de provar que poderíamos fornecer atendimento e interação de qualidade em tempo real.

Foram anos de regulamentações rígidas e cobertura limitada, que restringiram bastante o uso da telessaúde direta ao paciente.

Eu participei de diversos fóruns do CFM sobre telemedicina em Brasília.

 A história era sempre a mesma. A tecnologia é interessante, mas existiam dois medos:

→ As grandes corporações (leia-se big tech) vão injetar dinheiro infinito e acabar com o consultório dos médicos em cidades pequenas.

→ Podem existir maus atores fazendo atendimento sem ser médicos, já que é um ambiente online pouco regulamentado.

As preocupações eram válidas, mas, na minha visão, muito exageradas. Isso acabou tornando o processo de liberação à consulta online direta ao paciente uma discussão interminável.

Mas um acontecimento em Wuhan 🇨🇳 iria mudar completamente esta narrativa.

Telessaúde 2.0 (2020-2023): Experimentação forcada

A pandemia da COVID-19 forçou os reguladores a relaxarem as restrições, os pagadores a expandirem a cobertura e os pacientes e médicos a migrarem para o atendimento online.

O boom foi impressionante!

De um ano para o outro, quase metade dos brasileiros fizeram um atendimento de saúde online (pesquisa da consultoria Sinch). Foi a maior curva de adoção de uma tecnologia em saúde no mundo.

E 65% da população que não utilizou considera a telemedicina útil.

Mas tem um detalhe…

Foi uma experiência forçada.

Eu fiquei super entusiasmado com o crescimento exponencial da telessaúde.

Para mim, ela oferece uma combinação única de benefícios para todas as partes interessadas envolvidas no processo:

1. Para os pacientes e suas famílias - economiza tempo, dinheiro, deslocamento (2hs de condução) e aborrecimento.

2. Para os prestadores de serviços de saúde - amplia a base de pacientes, alivia a escassez de médicos em regiões desassistidas e reduz o risco de burnout.

3. Para os serviços de saúde - reduz as faltas, diminui as readmissões hospitalares e economiza dinheiro.

4. Para as operadoras de saúde - permite que os pacientes experimentem maior acesso, eficiência e satisfação com o sistema de saúde, além de reduzir custos.

As pessoas comparavam a telemedicina ao Iphone, carros elétricos, streaming.

Era algo que ia crescer de forma indefinida e seria a principal forma de contato com o serviço de saúde. (para todo o sempre…)

A Teladoc, uma das principais empresas do mercado, tinha números de crescimento impressionantes. O faturamento mais do que dobrou de 2019 para 2020.

Times de tecnologia correram para fazer integrações em tempo recorde. Dois meses? Conseguimos entregar sim doutor 😳 .

As consultas por vídeo também se mostraram eficientes, exigindo menos profissionais de saúde para gerenciar a operação, liberando-os para trabalhar em outras tarefas.

Operadoras de saúde brasileiras começaram a instalar o Tyto care para que a consulta pudesse ficar mais completa com a realização de exame físico à distância.

A utilização disparou, os especialistas proclamaram que a telessaúde era o "novo normal", e inúmeras startups, sistemas de saúde e pagadores lançaram ou expandiram programas de telessaúde.

Mas nem tudo são flores…

Desde o início deste ano, a Teladoc teve uma queda de cerca de 30% e está cerca de 95% abaixo do seu recorde histórico, alcançado em fevereiro de 2021, sendo acompanhada pelos seus principais concorrentes, com a AmWell.

A Optum, braço de tecnologia da United Health Group (ex-dona da Amil), fechou toda a sua operação de telessaúde nos EUA.

O que aconteceu?

Dois motivos principais:

→ A telessaúde tornou-se amplamente comoditizada.

→ Com um baixo obstáculo de entrada, novos incumbentes começaram a surgir e roubar parte do mercado.

→ Com a normalização dos serviços presenciais, a demanda começou a cair.

Na ausência de incentivos contínuos fortes, a maior parte do atendimento voltou a ser presencial. Sistemas de saúde, varejistas e investidores recuaram. Muitas startups desapareceram ou mudaram de curso.

Por exemplo, um relatório da Trilliant Health mostrou que o mercado de telessaúde está se tornando saturado, ficando mais difícil para as empresas se destacarem.

Essencialmente, o boom de provedores de telessaúde que surgiu em 2020 e 2021 foi resultado da adoção forçada de telessaúde durante a pandemia — e agora o mercado precisa lidar com as consequências, disse o relatório.

De 2022 a 2023, o Walmart reduziu o preço das consultas online, de U$67 para U$49, uma queda de $7 bilhões de faturamento potencial.

Em Julho de 2023, a UHG reduziu o preço das teleconsultas para ZERO, mostrando uma clara corrida ao fundo do poço, algo comum em mercados que são comoditizados.

O mercado de telemedicina (TAM - total addressable market) está diminuindo.

É como o mar voltando (don't goo… 🥹 )

Também aprendemos que muitos pacientes e médicos preferem o atendimento presencial nas principais etapas de cuidado, e que o setor de saúde é fortemente atraído para o status quo presencial.

Além disso, alguns modelos de negócios (por exemplo, telessaúde para gerar e atender prescrições) parecem funcionar muito melhor do que outros (telessaúde autônoma, indiferenciada, comoditizada).

Telessaúde 3.0 (2024-?): Integração

Estamos entrando no “vale da morte” do hype cycle na telessaúde, em que muitos começam a achar que 100% das consultas vão voltar a ser presenciais e que existe pouco ou nenhum espaço para o serviço (mas calma, isso faz parte desta fase de falta de crença, depois melhora).

Em 2019, eu conversei com o Joe Kvedar, coordenador da saúde digital e telemedicina de Harvard.

Lembro que ele falou sobre como após 10 anos de desenvolvimento do atendimento direto ao paciente (algo que só liberamos no Brasil em 2020), eles chegaram a um platô de 10% dos atendimentos virtuais na rede toda (que pega mais de 10 hospitais - Partners Care).

Confesso que achei pouco, mas ele disse que esse é ponto ideal do equilíbrio entre remoto e presencial. A telessaúde é parte do cuidado da jornada e não deveria ser o todo. Na época eu não entendia direito, mas hoje fica claro que vamos caminhar para um ponto de estabilização, em que os serviços de saúde encaixam a telessaúde como parte da jornada de cuidado de todos os pacientes. (mas não chegamos lá ainda).

Eu não sei exatamente como será esse cenário, mas vou compartilhar o que acho que pode acontecer.

Há um limite para o que a telemedicina pode fazer.

Ela nunca substituirá completamente uma jornada de cuidado integral (raras exceções dentro da saúde mental), pois apesar de poder criar uma conexão humana profunda, com empatia e confiança (validamos isso na Pipo Saúde), ela precisa ser a parte de um todo, que envolve pontos de contato presenciais.

Primeiro, devemos ampliar o foco para atender indivíduos com doenças crônicas complexas, especialmente nos cuidados especializados, que representam a maior parte dos gastos.

Segundo, devemos integrar melhor a telessaúde com outros canais de atendimento síncronos e assíncronos, incluindo o atendimento presencial.

Prestadores tradicionais de saúde devem reconhecer que a telessaúde pode ser uma ótima opção para várias necessidades, como:

→ Triagem de Pronto-Socorro
→ Renovação de receita
→ Saúde mental
→ Check-up de rotina
→ e demandas de baixa complexidade.

Da mesma forma, startups, empresas de saúde e investidores devem reconhecer que há um limite para a quantidade de atendimento que podemos fornecer na nuvem, especialmente para aqueles com doenças complexas, que representam a maior parte dos gastos.

Embora instalações físicas não consigam ter muito escala, e parcerias possam ser difíceis, a telessaúde não funciona como uma solução isolada em uma ilha.

Para complementar o Walmart fechou as suas clínicas de atenção primária, mostrando que a APS também não funciona bem sozinha (mas isso é assunto para outra newsletter).

Onde foi o maior erro?

Os executivos destas grandes empresas tendem a calcular o forecast (previsão financeira) baseado em usabilidade. Ou seja, eles estimam a progressão da empresa no consumo atual.

O problema é que o cenário atual de cálculo era um pós-pandemia em que as pessoas estavam sendo forçadas a entrar no mercado de telessaúde.

Quando essa força diminuiu, o status quo voltou, trazendo uma queda nos números.

Mensagem final:

A telemedicina foi fundamental para dar oxigênio ao sistema de saúde e fazer as pessoas substituirem temporariamente o seu cuidado, mas em algum momento, as coisas voltariam ao normal, com uma queda de demanda, que, particularmente, eu e várias pessoas da área já esperavam.

No entanto, os CFOs foram pegos de surpresa com a agressividade desta queda.

O futuro da telessaúde será determinado pela:

→ Custo-efetividade do serviço no longo prazo
→ O impacto real na jornada de cuidado dos pacientes
→ A integração com o cuidado já existente

Como você enxerga o futuro da telessaúde?

Me conta respondendo esse e-mail!

❇️ Recomendações

Livro do Joe Kvedar

Se você quer saber mais sobre a visão do Joseph Kvedar sobre telessaúde e saúde digital, vale ler o livro dele » “The internet oh healthy things”. Eu ganhei essa cópia assinada em 2019 : )

Thiago, keep innovating!”

Escuta ativa by Harvard

Eu sempre me considerei um bom ouvinte no ambiente de trabalho. Mas esse guia da Harvard Business review me abriu os olhos para um outro lado da escuta ativa. Vale conhecer!

💭 Citação

Uma das coisas que me deixa com pé atrás em relação a Neuralink é o fato que os seus estudos não são registrados no portal clinicaltrials.gov, a principal plataforma de registro para ensaios clínicos e um selo importante na credibilidade do grupo por trás da investigação.

Hoje ficamos sabendo sobre a evolução do estudo pelos posts do Elon Musk no X. (shady AF ☁️ …)

Por hoje é só!

Mandem feedbacks, é só responder esse e-mail.

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Domingo que vem tem mais,

Abraço!

Thiago Liguori