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- #25. 🔮 Uma nova era na saúde - Medicina 3.0 (agora é de verdade)
#25. 🔮 Uma nova era na saúde - Medicina 3.0 (agora é de verdade)
Olá pessoal,
Você já deve ter ouvido falar, mas este foi um dos melhores livros de saúde dos últimos tempos - Outlive do médico Peter Attia.
Além de uma investigação super detalhada sobre longevidade e como podemos intervir para mudar o nosso tempo de vida livre de doença, me chamou atenção um conceito interessante bem no começo do livro… A Medicina 3.0
Não sou muito fã destes termos, como marketing 4.0, inovação 2.0, mas esse caiu como uma luva, já que ilustra bem a quebra de paradigma que estamos vivendo na saúde.
O livro se tornou um best-seller internacional e recebeu uma resenha interessante do guilherme benchimol para o Brazil Journal.
Peguei os principais insights e trouxe um pouco do meu olhar sobre como eu acredito que o modelo de cuidado em saúde e modelos de remuneração precisam ser impactados nesta nova realidade.
Espero que gostem!
Tempo de leitura : 5 minutos
💬 Em pauta
Pense na Medicina e o cuidado em saúde em uma linha do tempo.
Tanto a Medicina 1.0, como a Medicina 2.0 tiveram contribuições relevantes.
Muitas das quais aplicamos até hoje.
Ao mesmo tempo, muita coisa mudou.
E algo me faz acreditar que estamos no caminho para uma nova mudança de paradigma - a transição da Medicina 2.0 para 3.0.
Essa transição não foi uma evolução linear. O que vale também na mudança atual.
Estamos começando a ver movimentos separados que parecem desconectados, e que só conseguiremos entender completamente olhando para trás.
Para ilustrar a nova Medicina, precisamos primeiro voltar a 500 a.C.
Medicina 1.0
» 500 a.C - 1850
No dia da minha formatura eu fiz o juramento de Hipócrates - considerado o pai da Medicina.
“Eu prometo solenemente consagrar minha vida ao serviço da humanidade.
A saúde e o bem-estar do meu paciente serão as minhas primeiras preocupações…".
As descobertas de Hipócrates na Grécia antiga foram fundamentais para a Medicina 1.0.
Nela, descobrimos que as doenças são causadas pela natureza e não por deuses, como acreditavam previamente.
Muitos aprendizados dessa época valem até hoje:
- “Na comida você pode encontrar remédios bons e ruins” é uma insight que se ainda se aplica.
Mas outros conceitos ficaram rapidamente ultrapassados, como os “humores” do corpo.
Medicina 2.0
» 1850 - 2020 (?)
Esta fase é iniciada junto com a Teoria microbiana das doenças, também conhecida como teoria germinal das doenças.
Um princípio fundamental da microbiologia e da medicina.
Essa teoria foi desenvolvida e ganhou aceitação no final do século XIX, graças aos trabalhos pioneiros de cientistas como Louis Pasteur e Robert Koch.
A essência da teoria é que cada doença é causada por um tipo específico de micro-organismo.
Bactérias, vírus, fungos e protozoários, podem invadir o corpo humano (ou de outros animais) e se multiplicar, levando a infecções que resultam em doenças.
Por exemplo, a bactéria Mycobacterium tuberculosis é a causadora da tuberculose, enquanto o vírus Influenza é responsável pela gripe.
A aceitação dessa teoria levou ao desenvolvimento de:
práticas de higiene
medidas de saúde pública para controlar a propagação de doenças
o uso de antissépticos para desinfetar
a criação de vacinas
e antibióticos para prevenir e tratar infecções microbianas.
Portanto, essa teoria revolucionou a medicina e a saúde pública, fornecendo a base para o controle e a prevenção de inúmeras doenças infecciosas.
Outras descobertas contribuíram para esta fase, como:
Sir Francis Bacon, com a primeira descrição do método científico: Observação, Hipótese (experimentação), observação.
Joseph Lister foi o primeiro a criar o conceito de cirurgia antiséptica em 1865, em Glasgow 🏴
E o ápice desta fase: a descoberta da Penicilina por Alexander Fleming em 1928.
A transição da Medicina 1.0 para 2.0 foi impactada por novas tecnologias, como o advento do microscópio.
Mas na verdade ela trouxe uma nova forma de pensar sobre as doenças.
A transição não foi fácil, e levou centenas de anos, encontrando forte resistência durante o seu reconhecimento.
Medicina 3.0
» 2020 (?) em diante
Durante os meus anos de UTI no Instituto do câncer (2013-2020), pude perceber que eu e meus colegas fomos treinados para resolver problemas da uma era passada:
doenças agudas e lesões que a Medicina 2.0 evolui para tratar.
Estes problemas tinham um horizonte curto.
Para os pacientes com câncer, parecia que eu sempre estava chegando atrasado.
Diagnóstico avançado, metástase, 2-3 tumores em locais de difícil avaliação e tratamento.
As doenças crônicas trabalham como juros compostos.
São acumulados durante anos, crescendo e evoluindo durante décadas antes da pessoa ter um "evento” como um infarto, que poderia resultar em morte.
O que acontece é que este infarto marca o ponto para o início do tratamento hoje em dia - estamos chegando muito tarde.
O objetivo da Medicina 3.0 não é abrir uma artéria entupida com colesterol e dar alta para o paciente. Ou remover o tumor e torcer pelo melhor desfecho, mas tomar medidas para:
Previnir que o tumor apareça
Evitar que a pessoa tenha um infarto.
Tirar a pessoa do caminho da doença de Alzheimer
Nossos tratamentos, avaliações diagnósticas e estratégias de prevenção precisam mudar para se adaptar a evolução natural destas doenças, com sua trajetória longa e insidiosa.
Certo, então essa nova era é pautada pela medicina de precisão, algoritmos de machine learning, IA generativa? Não necessariamente.
A Medicina 3.0 não é só sobre tecnologia. Na verdade, ela requer uma mudança na forma de encarar a saúde.
O Dr. Attia quebra em 4 pontos principais (e eu complementei com 1 adicional):
1. Ênfase na prevenção
A Medicina 2.0 foca em como se secar depois da chuva - somos treinados para tratar diversos cenários, com mais ou menos chuva. A Medicina 3.0 estuda a meteorologia e tenta determinar a chance de chover. Devemos levar uma capa ou ir de bote?
2. Paciente como indivíduo único
A Medicina 2.0 trata todos basicamente da mesma forma, seguindo os resultados dos ensaios clínicos da Medicina baseada em evidências.
Estes estudos pegam inputs heterogêneos (os participantes) e criam resultados homogêneos (o resultado médio entre eles).
A medicina baseada em evidências nos incentiva a aplicar estes resultados de volta aos mesmos indivíduos.
Estudos RWE (real-world evidence) tentam ajudar, mas ainda estão longe do ideal.
O problema é que os pacientes não são uma média.
A Medicina 3.0 vai um passo além e estuda dados adicionais do indivíduo para entender como ele é parecido ou diferente da média.
Algo como uma medicina “informada” por evidências.
3. Atitude em relação a risco
No livro o Peter Attia traz o exemplo do Women's health initiative study (2002), que mostrou um aumento de 24% no risco de câncer de mama para mulheres em reposição hormonal.
Esse risco na verdade se traduzia como um aumento de risco absoluto de 0.1% - ao invés de 4 casos / 1000, foram observados 5 casos /1000.
A ideia aqui é colocar estes risco em perspectiva, incluindo também todo o contexto do paciente, como sintomas, preferências e outros riscos associados.
Nós já fazemos isso na prática clínica (de certa forma), mas a proposta seria aprofundar ainda mais na singularidade do indivíduo, inclusive com investigações adicionais (genótipo, fenótipo).
Os estudos mais longos de estatina para prevenção primária tem 5-7 anos de duração, mas a doença pode levar décadas para se desenvolver.
As calculadoras de risco cardiovascular olham para um horizonte de 10 anos, mas deveríamos estar preocupados com o nosso risco 40-50 anos a frente.
PS: Eu não contra os clinical trials, inclusive fui um co-investigador no estudo EMPEROR-trial, mas é importante entendermos as limitações deles na aplicação prática do cuidado, principalmente na prevenção primária.
4. Qualidade de vida (e não só expectativa de vida)
O conceito de healthspan significa o tempo de vida saudável, livre de doença ou disfunção.
No ensino de saúde, nós nos aprofundamos muito pouco em como ajudar os pacientes a manter a sua saúde e cognição em dia, a medida que envelhecem.
O sistema de saúde e modelos de remuneração foram criados baseados na Medicina 2.0 - tudo começa com o código da doença (CID) ou do procedimento (TUSS) a ser realizado.
Exercício físico, sono de qualidade, eram praticamente ignorados, com pouca ou nenhuma instrução sobre alimentação saudável.
O conceito de longevidade não se encaixa no nosso modelo de remuneração.
Um plano de saúde não vai remunerar bem um médico que consegue mudar os hábitos de vida do seu paciente e postergar o início da diabetes tipo 2 em 10 anos.
No entanto, o plano de saúde irá pagar (caro) caso ele use o pronto-socorro devido a quadro de descompensação aguda, como a cetoacidose diabética.
Da mesma forma, o plano de saúde não vai remunerar um acompanhamento médico da jornada de exercício resistido em um paciente idoso, que evitou uma queda no futuro.
Mas vai pagar caro por uma cirurgia ortopédica após uma fratura de fêmur.
PS: Sim, algumas operadoras possuem centros de treinamento / fisioterapia, mas isso não é conectado ao desfecho clínico de longo prazo (prevenção), gerando um faturamento próprio.
Quase todo o dinheiro circula para o tratamento, e não para prevenção.
Eu adicionaria um quinto ponto:
5. O paciente no comando
Na Medicina 2.0, o paciente é um passageiro no Titanic, esperando um iceberg aleatório aparecer - dor no peito, vamos aos pronto-socorro.
Na Medicina 3.0, o paciente é muito mais demandado e protagonista da sua própria história.
Precisa estar informado, entender os conceitos básicos de saúde, ter uma visão clara sobre os objetivos e ser um conhecedor dos seus riscos individuais.
Ele precisa estar disposto a mudar seus hábitos (desviar dos icebergs), aceitar novos desafios e sair da zona de conforto. Ele sempre tem co-participação na sua saúde, nunca passivo, tomando decisões de forma contínua.
O que você acha sobre o conceito de Medicina 3.0?
Pode responder no e-mail mesmo (eu leio 100% e respondo) 👀
❇️ Recomendações
O futuro da saúde é em casa
Na última semana, eu apresentei uma aula para o time de saúde da Unimed Paraná. O tema foi o futuro do jornada de cuidado domiciliar.
Eu acredito que, na verdade, a jornada de saúde será centrada em casa.
Saindo de um modelo hospitalocêntrico para um olhar descentralizado.
Esse modelo já começou a aparecer em algumas instituições, com alta precoce e fortalecimento do home care.
Um dos artigos que mais me chamou atenção sobre o tema é esse levantamento da McKinsey.
🛠️ Hacks de produtividade
Você já ouviu falar no conceito de Segundo cérebro (Second Brain)?
Eu uso a metodologia do Tiago Forte há 2 anos. Ela ajuda a lembrar tudo o que você consome - livros, artigos, reportagens, podcasts… em um só lugar.
Vale conhecer o livro dele e a metodologia.
💭 Citação
Este livro me ajudou a colocar o celular em modo avião e fazer sessões de 2-3 horas de trabalho profundo contínuo.
É a metodologia que eu uso para escrever essa newsletter, por exemplo.
Um dos melhores sobre produtividade - Deep Work (Trabalho Focado - como ter sucesso em um mundo distraído), do Cal Newport.
“Deixe a sua mente ser a lente que converge os raios da atenção!”
Via Readwise
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